A dúvida é comum e pode ser respondida com outra pergunta: são os vira-latas mais resistentes?
Sim, eles são. Embora se percam características morfológicas da raça e algumas de suas aptidões, a miscigenação traz lá seus benefícios. Obesidade, doenças cardiovasculares, doenças autoimunes, osteocondrite e até atrofia progressiva de retina são tendências que, se frequentes em uma família, perdem sua força nas próximas gerações quando genética é introduzida no grupo.
Mas por que animais de raça pura têm fama de ser menos resistentes? Isso está no histórico de cada raça. Imagine dez mil cães descendendo de apenas 50 animais? O lado bom é que a consanguinidade imprimiu nas raças o carácter selecionado pelo ser humano para atender a uma finalidade especifica. Da mesma forma, temperamento e características físicas que hoje acreditamos ser obra do acaso na verdade vieram de repetidos cruzamentos entre animais selecionados para esse fim. Cães de pastoreio deviam ser grandes e dóceis; cães de guarda, destemidos e corajosos. Cães de regiões frias deveriam ter grande cobertura pilosa e uma boa camada de gordura para protegê-los do frio. Dependendo da utilidade de canina para cada região selecionou-se os animais mais bem adaptados às exigências naturais.
Boa parte das raças conhecidas na atualidade teve sua origem na Idade Média. Se considerarmos as dificuldades de locomoção e o frio da região europeia, fica fácil entender porque houve tantos endocruzamentos. São Bernardo nada mais é do que um cão desenvolvido no Mosteiro de mesmo nome, assim como seu primo distante, Saint Hubert. O Rotweiller nasceu da região de Rotweill, na Alemanha, mesmo país de onde tiveram origem nossos estimados Pastor Alemão e Weimaraner. Assim, pelo próprio nome, se remete à origem de várias raças, como Pastor de Shetland, pequinês, dinamarquês e buldog francês. Algumas raças ganharam o nome de seus criadores, como o Dobermann, outras representam um orgulho para a nação, como a raça Kuvasz é para os húngaros. Durante a Segunda Guerra Mundial, devido a sua robustez e marcado instinto de proteção à família, os Kuvasz foram abatidos pelos soldados restando apenas 9 exemplares ao final da guerra.
Cruzando os descendentes uns com os outros imprimiu-se no fenótipo dos animais características que conferem valor à raça. Mas isso teve seu preço. Genes que tenderiam a desaparecer em exocruzamentos atravessaram gerações, isso para o bom e para o ruim. Daí a tendência para algumas patologias em função da anatomia de seus exemplares. Pastor Alemão e outras raças de médio e grande porte ficaram conhecidas por apresentarem com mais frequência displasias coxo-femurais, o que compromete sua saúde e finalidade da raça como guardiã, além de precisar o animal de medicação para controlar a dor. Cães com nariz enfiado no meio dos olhos têm tendência a doenças respiratórias. Cães grandes, como o Dog Alemão, deve o proprietário estar atento à torção de estômago. Ácido úrico? Dálmata. Coluna? Dachshund. Otite? Cocker Spaniel e Basset Hound. Luxação de patela? Poodle. E por aí vai.
Tá, e daí? Vamos deixar de abraçar um Collie porque a raça tem predisposição à dermatite?
Aos cinófilos de plantão, um esclarecimento: tendência não significa obrigatoriedade, e muitos criadores já estão há muito tempo selecionando seus animais com vistas à redução e até à extinção do risco de desenvolver determinadas doenças. Vale investigar a credibilidade do canil antes de partir para a compra. Tem gente séria e apaixonada pela raça que investe pesado em genética.
Pensando no resistente vira-lata? Sim, de fato. A miscigenação fez dos cães mestiços animais mais fortes, Quem não resistiu morreu ainda filhote e não transmitiu seus genes adiante, seleção natural que foi dando seu alôu. Mas atenção! Mais resistente não quer dizer imune, e não é raro cachorro sem raça definida apresentar qualquer uma das patologias comuns em animais de raça. Basta ser o cão pequeno e ter frouxidão nos ligamentos do joelho para nosso vira-latas estar no veterinário com luxação de patela. Alergia alimentar não é raro em cãezinhos que pegamos da rua, o mesmo vale para alergia a pulgas e displasia. É bom ter em mente que animais, de raça ou não, são criaturas vivas e isso por si só já é passaporte para em algum momento aparecerem doenças que vão comprometer a saúde e o bem-estar de seu mascote nem que seja na sua velhice.
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